quarta-feira, 21 de novembro de 2007

As Síndromes Dolorosas Miofasciais 1

O manejo da dor requer uma compreensão da sua fisiopatologia, da maneira mais aprofundada que o conhecimento existente possibilite. Numerosas questões referentes à etiologia, à fisiopatologia e à taxonomia da dor – especialmente da dor crônica – ainda estão por ser resolvidas, mas muitos aspectos vêm sendo elucidados, incluindo os processos neurais centrais e periféricos que promovem sensibilização e dor de longa duração, e os mecanismos subjacentes às respostas inflamatórias, como a inflamação neurogênica.

Observa-se uma evolução nas propostas de categorização das síndromes dolorosas apresentadas nas últimas décadas, acompanhando mudanças de conceitos. Uma classificação temporal estabelecida na década de 1970 distinguia os tipos de dor: imediata (resultado da nocicepção), aguda (relacionada com inflamação), e crônica (ou Neuropática), e continua sendo valiosa [Wall P.D. 1979]. Em 1986, a Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP), elaborou uma classificação das síndromes dolorosas segundo os fatores causais, em categorias como trauma, infecção, e origem psicológica [IASP 1986]. Na mesma década foi proposta uma outra classificação etiológica da dor, considerando aspectos neurobiológicos, em: nociceptiva (resultado da função normal do sistema nervoso), neuropática (decorrente de função anormal do sistema nervoso), e psicogênica (relacionada com distúrbio psiquiátrico) [Portenoy R.K. 1989]. O esquema baseado em fatores etiológicos leva a uma abordagem exclusiva, dificultando uma apreciação da complexidade dos quadros dolorosos crônicos [Christopher C. 1992].

Nas propostas contemporâneas de taxonomia da dor, introduziu-se um novo grupo, o das dores funcionais – condições clínicas nas quais não se constata a existência de patologias somáticas, processo inflamatório crônico associado, lesão verificável do sistema nervoso, e nem patologia psiquiátrica. As síndromes dolorosas miofasciais, a dor da síndrome de fibromialgia, da síndrome do colo irritável, a dor torácica não-cardíaca, a migrânia e a cefaléia tensional, são exemplos de síndromes dolorosas disfuncionais. [Gan T.J. 2003].

Essa categoria de dor se caracteriza por alterações na função do sistema nervoso, na maneira como este interage com inputs periféricos. Fenômenos que ocorrem nas dores inflamatórias e neuropáticas atuam para produzir mudanças na sensibilidade dos sistemas neurais relacionados com a dor, levando à dor funcional. Perturbações na captação, processamento e resposta aos inputs sensoriais, geram alterações reflexamente sustentadas, incluindo os aspectos motor e autonômico, alem do sensorial, que passam a ocorrer de maneira independente do fator causal inicial. Incluem-se nesse processo uma sensibilização periférica e central, um aumento na excitabilidade das vias somatosensórias e na atividade de sistemas facilitadores da transmissão nociceptiva, assim como uma redução da capacidade dos mecanismos inibitórios. [Gan T.J., Woolf C., Brennan T.J., Kehlet H., Mekhail N.A. 2003].

Os quadros dolorosos disfuncionais representam uma quebra do paradigma virchowiano de Patologia, que define a doença a partir da existência de alterações morfológicas. Introduzido no primeiro livro-texto médico que apresentou uma definição sistematizada da síndrome dolorosa miofascial [Travell & Simons. 1983], o conceito de dor e disfunção músculo-esquelética independente de anormalidades estruturais representa uma mudança radical, considerando-se a dominância dos cirurgiões ortopédicos no tratamento dos distúrbios músculo-esqueléticos [Ingber R.S. 2003].

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