sábado, 24 de maio de 2008

Dor abdominal e pélvica

A dor de origem visceral é uma das razões mais freqüentes de consulta nos serviços de clínica geral e gastroenterologia, com uma taxa de incidência anual de 15 para 1000 pessoas.
As dores viscerais podem ser causadas por processos inflamatórios de origem infecciosa ou química (como gastrenterites, colites, pancreatite entre outras), isquemia e alterações estruturais, como neoplasias em órgãos internos, mas nem sempre.

Os distúrbios funcionais de vísceras torácicas, abdominais ou pélvicas, são as causas mais freqüentes das síndromes dolorosas de origem visceral, que nem sempre está associada a alguma lesão. Por exemplo, um estímulo de baixa intensidade pode provocar ativação de aferentes sensoriais da víscera, como a pressão gasosa no interior do tubo digestivo.

Por outro lado, alterações estruturais importantes de um órgão interno podem não causar sensação de dor, enquanto a distensão na parede muscular das vísceras ocas e na cápsula das vísceras sólidas são causas comuns de dor visceral.

Alguns setores das vísceras não dispõem de receptores sensoriais e, portanto, não geram dor, ou são dotadas de terminais sensitivos relacionados com a captação de sinais provenientes de lesões, mas que não evocam percepção consciente, embora provoquem reações autonômicas.

Não há no córtex cerebral, região cuja ativação proporciona (entre muitas outras coisas) percepções sensoriais corporais precisas, uma representaçao para as vísceras, ou órgãos internos. Nos córtices sensorial e motor (nas duas margens da fissura de Rolando) que sediam, respectivamente, percepções somáticas discriminativas e os processo de comandos motores que dão início ao movimento corporal, os mapas são completos, mas não incluem coração, pulmões, estômago, intestinos, fígado, rins e outras estruturas intratorácicas ou abdominais.

Organização topográfica do córtex motor

Organização topográfica do córtex sensorial


Áreas de Penfield

"Homúnculo" de Penfield - as proporções da anatomia na representação do corpo no córtex cerebral.

A dor de origem visceral é difusa e fracamente localizada, devido à organização das vias sensoriais viscerais no sistema nervoso central, que ascendem conjuntamente com as de origem somática. É referida em outros locais, por meio de convergência das fibras nervosas viscerais e somáticas, ao se conectarem no corno dorsal da medula espinhal. Acompanha-se de reflexos autonômicos e motores, que frequentemente são os sinais que apontam para um quadro de origem visceral, distinguindo-o dos de origem músculo-esquelética, permitindo que se deduza que uma dor lombar acompanhada de vômitos e sudorese seja causada por alteração interna, e não muscular.

A participação autonômica (dos sistemas simpático e parassimpático) também cumpre outras funções, além de sinalizar a origem visceral do quadro clínico, como sistema mantenedor e facilitador da transmissão dolorosa.

Reflexos somático-visceral e víscero-somático

Os distúrbios viscerais dolorosos se manifestam à consciência sob a forma de dor somática, através de reflexos víscero-somáticos, que ativam pontos-gatilho miofasciais. A dor resultante não pode ser discernida de uma dor miofascial, apresentando, entretanto, características especiais. São diferentes da dor somática aguda, que é bem localizada, aguda e definida. A dor somática de origem visceral é difusa, surda, difícil de descrever, e pode se associar com sintomas gerados pelo sistema nervoso autônomo, como náusea, vômitos, sudorese.


Convergência de informações visceral e somática resulta na percepçao da dor visceral.

Os músculos esqueléticos também podem contribuir para a dor e disfunção visceral, por indução de arcos reflexos espinais. Aferências simpáticas viscerais convergem sobre os mesmos neurônios do corno dorsal que as aferências nociceptivas somáticas. Atividade reflexa de eferências simpáticas, assim como de nociceptores cutâneos podem produzir espasmo de esfíncteres viscerais.

O músculo reto do abdome é especialmente sujeito ao desenvolvimento de pontos-gatilho em associação à dor visceral. Pontos-gatilho no quadrante direito superior podem ser observados em distúrbio da vesícula biliar; do quadrante superior esquerdo em doença do esôfago e úlcera do estômago; do quadrante inferior direito em dismenorréia, e do quadrante inferior esquerdo em distúrbios intestinais. O espasmo do esôfago geralmente se associa a pontos-gatilho no tórax posterior esquerdo, nos níveis de T3 a T6.

Tratamento por modulação neural periférica.

O tratamento de pontos-gatilho dos músculos da parede abdominal pode promover alívio significativo de dores somáticas e viscerais. Essa terapia deve ser considerada sempre que manobras como palpação e extensão dos músculos provocam desconforto visceral.

Pontos-gatilho abdominais dolorosos são acompanhados de pontos-gatilho ativos na musculatura paravertebral. Essas 'zonas reflexas' são importantes para o tratamento da dor de origem visceral, assim como outros sítios localizados em viscerótomos, na parede abdominal. A sensibilidade dolorosa à palpação é um elemento crucial na escolha desses sítios para a eletro-neuro-estimulação.

A estimulação dos nervos sacrais ou dos plexos lombo-sacros é benéfica para condições dolorosas resultantes de síndromes abdominais, pélvicas, genitais e anais. Condições específicas que têm sido tratadas incluem cistite intersticial, coccigodinia, pielonefrite, pancreatite e vulvodinia. Essas síndromes que muitas vezes causam perplexidade podem ser difíceis de tratar, em grande parte por causa do desconhecimento dos fatores perpetuantes da situação.

O tratamento inclui a aplicação de infiltração de anestésicos locais, agulhamento e eletro-neuro-estimulação transcutânea e percutânea. Além de reduzir o desconforto e a dor, contribui para a normalização funcional visceral, por meio da estabilização das funções autonômicas e centrais do sistema nervoso.

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