domingo, 30 de março de 2008

História é imprescindível

O conhecimento da história do entendimento dos fatos é fundamental, não somente para prevenir a repetição dos erros já cometidos, mas também para evitar que idéias e hipóteses previamente invalidadas se apresentem como originais e inovadoras.
Representação anatômica - Pérsia, século 15.

É o caso das teorias antigas sobre a estrutura e funcionamento do organismo, sobre doença, tratamento e cura. No caso da medicina tradicional chinesa, têm sido apresentadas como se fossem novidades, mas na verdade são idênticas às que subsidiaram as medicinas tradicionais das outras civilizações e culturas da mesma época, ou das que, em outras épocas, se encontravam no mesmo estágio de interpretação da realidade que dominava a Antiguidade.

Teorias da Natureza ou cosmológicas, esboçadas na Grécia pré-socrática (o Logos e a transformação permanente de Heráclito, o Cosmos e a harmonia das esferas de Pitágoras) também foram desenvolvidas na China pré-confuciana. Baseadas numa noção de organização, esboçam idéias recentemente reestruturadas, sob a forma de sistemas auto-regulados.

Entretanto, embora representem uma racionalização proto-científica, a extrapolação das teorias cosmológicas para a anatomia e para a fisiologia dos organismos vivos não é necessariamente válida, assim como não se pode deduzir a patologia e os mecanismos das doenças a partir de uma lógica idealizada, platônica na sua essência.

E assim é o modelo teórico e prático da Acupuntura baseada na medicina tradicional chinesa, que toma como verdadeiras as aplicações da doutrina (mais do que filosofia, já que não inclui a possibilidade da dúvida) cosmológica à Biologia e à Medicina.

Ao contrário, as deduções da anatomia e da fisiologia a partir das premissas doutrinárias levam a resultados falsos. Por exemplo, a doença foi explicada como desequilíbrio de humores, ou como sendo causada pela invasão de fatores patogênicos miasmáticos (vento, frio, umidade), tanto na medicina greco-romana quanto na chinesa; inventaram-se órgãos invisíveis para adaptar o organismo às necessidades numéricas da Teoria dos Cinco Movimentos; e para explicar a comunicação entre as diversas partes do corpo, uma espécie de vapor (Qi da China) ou ar (pneuma da Grécia) transitando em canais fictícios para os primeiros, e nos nervos para os segundos.

Representação do coração em texto da medicina tradicional chinesa.

A hipótese da substância misteriosa não ficou limitada ao mundo antigo: até pouco mais de 150 anos, a existência de “espíritos animais” (como em Galeno e Descartes), de uma substância etérea e vibracional (hipótese Newtoniana), ou energética (apropriação pseudocientífica dos princípios da Termodinâmica) era usada para explicar as transmissões neurais sensorial e motora, que não eram diferenciadas na China antiga.

Representação de um dos canais de fluxo do fluido Qi,
em texto da medicina tradicional chinesa.

A dor se explicava como interrupção no fluxo dessa substância, para a MTC e como a chegada desse fluido ao cérebro (ventrículos cerebrais) nas interpretações dos pesquisadores do sistema nervoso até recentemente.

A superação desses modelos explicativos está bem consolidada, mas por carência de informação histórica, são ressuscitados e tomados como verdade, propondo um retrocesso, ainda mais grave porque são artificialmente colocados acima das críticas e das refutações.

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