quinta-feira, 6 de março de 2008

As síndromes dolorosas miofasciais 7. Anomalias da rede neural

Na década de 1970, Charles Gunn descreveu o processo pelo qual a sensibilização das raízes nervosas espinais gera mudanças sensoriais, motoras e autonômicas em todo o território do nervo.

Uma hiperatividade nos efetores musculares é explicada pela redução nos sinais transmitidos pelo nervo, segundo a Lei de Cannon-Rosenbluth, ou da ‘desnervação’. A supressão dos impulsos nervosos gera aumento da sensibilidade dos efetores, no caso os terminais de placa motora (junção neuro-muscular).

Essa privação de sinais pré-sinápticos leva a um incremento na expressão de receptores de membrana, deixando a membrana pós-sináptica sensibilizada. O aumento de sensibilidade para fatores no ambiente molecular da membrana, inclui as aminas excitatórias, acetilcolina, e também noradrenalina e adrenalina circulante, pH, hipóxia, e pró-inflamatórios em geral.

Quando existe patologia neural, a taxa de caos no sistema aumenta, porque o agente e o sujeito do processo são o mesmo – a rede neural. A redundância parece gerar eventos não-lineares, não previsíveis com base na função normal da rede. Isso pode justificar um dos enigmas da síndrome dolorosa miofascial – o fato de as bandas tensas musculares não serem homogeneamente distribuídas no músculo. Encontram-se nas regiões onde há maior concentração de terminais de placa motora, e essa concentração permite que os estímulos atinjam um ponto critico, mobilizando miofibrilas em alguns sarcômeros (células musculares), de modo auto-sustentado.

Microfotografia eletrônica de terminais de placas motoras


A cronificação da contratura leva a fibrose (substituição das fibras musculares normais por cicatriciais) e encurtamento do músculo, a entesopatia (alteração na estrutura de tendões) e a modificações articulares (inflamação, alteração da forma).

Então, na ocorrência de sensibilização radicular (das raízes nervosas) – que na maioria dos casos é causada ou mantida por distúrbio miofascial para-vertebral (em todos os planos de profundidade), o tratamento na região paravertebral é necessário e eficaz.

Mas muitos casos de síndrome dolorosa músculo-esquelética de origem periférica, não dependem da existência de bandas tensas em pontos-gatilho para existir, na fase aguda. Ocorre, por exemplo, logo após trauma articular, quando os músculos da região têm o seu tônus reflexamente aumentado, como numa intenção de ‘proteger’ a articulação.

O reflexo nocifensivo pode ser útil, mas pode se tornar nocivo, frequentemente agravando as conseqüências do trauma, criando um padrão de contratura que não se restringe a uma banda estreita, mas abrangendo todo o músculo.

Processo idêntico acontece na dor miofascial que ocorre como resposta reflexa a uma anomalia visceral - o músculo somático conectado ao órgão interno via reflexo medular se torna hiperalgésico. Da escolha do local apropriado de acesso intramuscular para fazer a estimulação dependerá o resultado da terapêutica.

Os alvos do tratamento podem ser primariamente as conexões sensório-motoras, promovendo relaxamento do músculo e desativação do circuito que mantém a perturbação.

Na dor lombar baixa, os alvos mais importantes costumam se localizar acima do local da dor referida. A dor que se origina em L5-S1, por exemplo, costuma responder bem ao se tratar os músculos eretores da coluna, localizados na altura da transição tóraco-lombar.

Além disso, os componentes centrais, incluindo a sensibilização dos diversos componentes da rede neural relacionada com a transmissão e percepção da dor, e os aspectos emocionais e cognitivos da dor estão sempre atuando, e a atenção a estes fatores pode ser crucial para a obtenção dos melhores resultados do tratamento.

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