domingo, 18 de novembro de 2007

História da Acupuntura na China

Na maior parte da longa história da medicina chinesa, a prática da acupuntura foi considerada secundária em relação aos tratamentos farmacológicos. Como a cirurgia no Ocidente, a acupuntura era um trabalho manual desdenhado pela maioria dos clínicos, membros da elite letrada. Em meados do século 18, um médico chinês interessado em recuperar o saber médico da antiguidade, relatou que entre as dificuldades que encontrou, estava a escassez de livros no assunto. Em 1822, o status da acupuntura ficou seriamente comprometido, com o decreto imperial que bania o ensino e a prática da acupuntura da Academia Médica Imperial, a instituição que fornecia médicos para a família do imperador [ANDREWS B.J. 1999].

No início do século 20, quando o governo chinês decidiu que a ciência moderna deveria ser estudada, a medicina chinesa tradicional foi acusada de ser desatualizada e supersticiosa, e por isso atacada pelas correntes modernizadoras. A acupuntura particularmente, foi classificada como inadequada. Praticada por pessoas iletradas e sem conhecimento de anatomia e de higiene, as aplicações frequentemente resultavam em infecções e queimaduras.

Os currículos das escolas de medicina chinesas existentes nos anos 1910 e 1920 incluíam a farmacoterapia tradicional, mas não a acupuntura, e em 1936, quando o governo nacionalista publicou os primeiros regulamentos para a licenciatura de médicos, a acupuntura não constava como uma habilidade necessária ou mesmo desejável. Os poucos médicos que discutiam a acupuntura queixavam-se da imprecisão e mesmo das contradições existentes nos textos clássicos quanto à localização dos pontos de acupuntura.

No início da década de 1930, o médico e professor universitário Cheng Danan utilizou referências anatômicas para reabilitar a acupuntura como uma prática médica. Enfatizou o fato de ser uma terapia médica eficaz, porque o seu mecanismo de ação era a estimulação dos nervos. No livro que publicou em 1932, apresentou uma localização dos pontos - antes usados para sangrias - fora dos vasos sangüíneos, associando-os aos trajetos nervosos. O livro era ilustrado com fotografias de voluntários, em cuja pele foram desenhados os novos traçados das linhas que comunicavam os pontos de acupuntura.

O livro, que teve diversas edições entre 1930 e 1960, ajudou a conferir à acupuntura credibilidade suficiente para que fosse oficialmente incorporada ao ensino e à prática da medicina. Entretanto, depois da Revolução Comunista, o Dr. Cheng abandonou a sua insistência em que a acupuntura funciona exclusivamente através dos nervos. Passou a atribuir a sua eficácia ao poder do Qi, além do estímulo dos nervos. O conceito chinês antigo de Qi foi reabilitado pelo governo chinês, quando a acupuntura passou a ser considerada uma representante da originalidade do saber médico das classes trabalhadoras chinesas, e a sua difusão uma virtude política.

Nas décadas seguintes, durante a Revolução Cultural, a prática da acupuntura foi estimulada pelo governo, e muitas cirurgias foram realizadas somente com o uso da acupuntura como pretensa anestesia, embora mais de 75% dos pacientes não percebesse redução da dor por causa das agulhas. Atualmente, a acupuntura não é mais utilizada para anestesia cirúrgica.

O status científico da acupuntura, decretado pelo Estado como fato, mais do que definido por meio de comprovações, deslocou o debate do campo da ciência para o da política. Tem sido utilizado para promover a cultura chinesa [SCHEID, V. 2000]. Com a abertura política da China, o país passou a receber estudantes de todo o mundo nas Faculdades de Medicina Tradicional Chinesa, criadas no final da década de 1940.

Atualmente, diversos pesquisadores chineses têm empreendido revisões e críticas ao modelo teórico milenar, reconhecendo que a teoria dos meridianos reflete o conhecimento fisiológico dos médicos antigos que a criaram, e que esta serve somente como uma tentativa de explicação proposta na época, para as correlações que observaram entre diferentes partes do corpo, e entre a superfície corporal e as vísceras. E que “a teoria dos meridianos cumpriu a sua missão histórica de preservar e desenvolver a acupuntura, mas agora se converteu no gargalo da garrafa, impedindo o desenvolvimento da acupuntura no século 21” [Ma Y.T. 2005].

O Professor Hua-Xi Chen, vice-presidente do Acupuncture Research Institute e editor dos periódicos Acupuncture Research e World Acupuncture, de Pequim, admite que ninguém até hoje foi capaz de esclarecer o que são os “meridianos”, apesar das modernas pesquisas continuadamente realizadas nesse campo, por mais de quatro décadas. Seus estudos mostraram que quanto maior o nível de formação médica contemporânea dos estudantes - sejam estes chineses ou não - maior a sua incapacidade de entender o que significam os “meridianos” [Chen H.X. 2001].

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