terça-feira, 3 de novembro de 2009

Reflexão Sobre a Evolução da Acupuntura

Recontextualização


O trabalho científico começa
quando o significado das palavras e dos conceitos
é circunscrito com precisão.
Gaston Bachelard

A Acupuntura, até 50 anos atrás, era uma cura exótica, muito em voga no auge da belle époque. Na época, certos círculos cultivavam o gosto – típico do Romantismo, movimento expressivo da modernidade, pelo místico, misterioso, espiritual e “do além”. O impressionismo, a chinoisérie, tinham, como ecoam muitos círculos ainda hoje, vínculos com uma nova Weltanschaung (visão do mundo), que a modernidade exigia.

A atração pelo Oriente mágico, de raízes antigas, se relaciona com a longa presença dos Califados na Península Ibérica. A proximidade posterior do Império Turco-Otomano, que impressionava a Europa, reforçou os laços, que logo se converteram em presença física maciça de contingentes europeus no Extremo Oriente – todos os países da Europa ocidental acabaram invadindo, literalmente, a China.

Nos seus inícios, a prática da Acupuntura no Ocidente foi marcada, em muitos casos, por um traço esotérico e/ou místico. Entretanto, na atualidade, são exigidos outros padrões de explicações e de evidências da eficácia de qualquer método terapêutico.

O modelo da Medicina Baseada em Evidências não representou uma ameaça para a Acupuntura, mas sim um reforço da validade e da certeza da sua aplicabilidade em muitas condições clínicas.
Algumas questões, entretanto, ainda estão por ser mais bem respondidas. As pesquisas clínicas, as investigações sobre as mudanças bioquímicas produzidas sob efeito da Acupuntura consolidam a Acupuntura como Ciência12.

Mas ainda é preciso que se proceda a uma crítica dos fundamentos da prática e das técnicas, para esclarecer – O que é “energia vital” e do que é “canal energético” ou “meridiano”; Como a doutrina dos 5 elementos pode ser assimilada aos princípios científicos contemporâneos; A natureza dos fenômenos que intervêm quando se efetua uma punção Acupuntural, e da natureza dos mecanismos de ação possíveis.

As influências do progresso científico recente marcam diferentes fases da Acupuntura atual, como mostra o quadro evolutivo das últimas décadas identificando uma trajetória que progride para a integração:

1930        Energia vital
1950        Eletricidade   
1960        Gate control
1970        Neurotransmissores   
1980        Neurofisiologia da Dor
1990        Distúrbios Neurossomáticos / A Rede Neural
2000        Neuromodulação
2010        Intervenções baseadas em dados anatômicos e funcionais

Questões epistemológicas

O conceito de Qi, e sua tradução por “energia”
O que é esta “energia” que circularia eletivamente ao longo dos meridianos?
A teoria dos fluidos e dos eflúvios, como foi demonstrado há tempo, está superada, mas a ciência contemporânea oferece ferramentas conceituais e tecnológicas para o estabelecimento de novos postulados.

Quais as conseqüências fisiológicas da punção de um ponto de Acupuntura?
Alterações químicas locais? Estimulação de fibras nociceptivas? Qual é o papel do sistema nervoso e do cérebro nas respostas? Como se dão as relações entre Meridianos e funções internas? Trata-se de manipulação de um “fluido vital”, “magnético”, “energético”? Ou introdução de sinais biológicos, instrução, informação? A ação da Acupuntura se dá no componente energético ou cibernético do organismo?

Piaget explicou que sem dúvida, as razões da resistência do vitalismo estiveram sempre ligadas às insuficiências da explicação mecanicista no momento da história em que tem lugar a discussão. “A dupla função histórica do vitalismo foi pois levantar problemas, o que é excelente, mas também foi prestar-se a tapar buracos, o que já é mais discutível. Apenas, por que tapá-los com uma noção tão venturosa como a de ‘força vital’? É porque evidentemente a experiência interior fornece-nos esse modelo”.

Pode-se ainda trabalhar com o conceito de elemento, interpretado como “energia” ou como “matéria”? Quando se fala em energias patogênicas, ou “perversas”, e associamos tais entidades a fluidos, isto representa um retrocesso cultural e uma negação da ciência, uma adesão a um modelo interpretativo esotérico e obscuro.

Como resposta a essas questões, não se pode aceitar uma resposta simplista como “É verdade porque funciona”. A Acupuntura, para que possa vir a ser uma ciência do futuro, ou mesmo uma ciência de futuro, precisa superar o seu passado. Removendo do seu discurso o peso do ocultismo e do esoterismo, tomando consciência do papel das imagens e metáforas, as quais são como “uma luz fraca”, para então buscar as inferências fortes, base da Ciência como modo universal de conhecimento.

A verificação efetuada nos testes clínicos, a pesquisa das modificações induzidas no organismo pela Acupuntura,  a aproximação com a Neurofisiologia e a busca da contemporaneização dos conceitos são os meios para fundar a Acupuntura como Ciência.

Para facilitar a superação dos obstáculos no caminho da integração da Acupuntura nas práticas correntes da medicina moderna, é preciso identificar esses obstáculos e seus motivos, procedendo então a sua neutralização.

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