terça-feira, 26 de maio de 2009

Acupuntura "falsa" supera medicina comum em teste

Tratamento não-invasivo é tão bom quanto agulha real, diz estudo.

Ensaio clínico que equiparou técnica chinesa a um tipo de placebo também reprovou atendimento usual dado a pacientes de dor nas costas

A Randomized Trial Comparing Acupuncture, Simulated Acupuncture, and Usual Care for Chronic Low Back Pain

Daniel C. Cherkin, PhD; Karen J. Sherman, PhD; Andrew L. Avins, MD, MPH; Janet H. Erro, RN, MN; Laura Ichikawa, MS; William E. Barlow, PhD; Kristin Delaney, MPH; Rene Hawkes, BA; Luisa Hamilton, MD; Alice Pressman, MS; Partap S. Khalsa, DC, PhD; Richard A. Deyo, MD, MPH
Arch Intern Med/vol 169 (no. 9), May 11, 2009

O estudo que avaliou a eficácia da acupuntura para tratamento de dor nas costas concluiu que ela não consegue ser melhor do que uma forma falsa desse tratamento, na qual as pessoas são submetidas apenas a picadas superficiais em pontos aleatórios do corpo. O trabalho, porém, trouxe uma revelação surpreendente: as duas formas de acupuntura, a verdadeira e a simulada, parecem ser mais eficazes do que o "atendimento usual" que pacientes de lombalgia costumam receber.


Os resultados do teste clínico estão na edição de 11 de maio da revista "Archives of Internal Medicine", da Associação Médica Americana. Com 638 voluntários, é um dos maiores ensaios já feitos para testar se a acupuntura funciona para valer.

Para avaliar a eficácia de um remédio que vem na forma de comprimidos, o que médicos fazem é comparar seu efeito ao de um placebo -uma pílula de farinha sem nenhuma substância relevante. O problema da acupuntura é que é difícil alguém fingir que está aplicando agulhas num paciente sem que ele perceba que não está sendo espetado. Só nos últimos anos é que cientistas têm usado a acupuntura simulada -um tipo de "agulha placebo"- para isso.

No estudo, Daniel Cherkin, do Centro para Estudos da Saúde, de Seattle (EUA), e seus co-autores explicam como é essa estratégia. "Desenvolvemos uma técnica de acupuntura simulada usando um palito de dentes no tubo de suporte da agulha, que se mostrou capaz de passar por acupuntura com credibilidade em pacientes de lombalgia sem experiência de tratamento com acupuntura", escrevem Cherkin e colegas. "O acupunturista pressiona o palito gentilmente, torcendo-o um pouco para simular uma agulha de acupuntura se agarrando à pele."

Para distanciar o tratamento ainda mais da acupuntura real, os cientistas aplicaram o palito de dentes em pontos longe das regiões tidas como corretas pela acupuntura tradicional.
Ninguém percebeu a diferença e, surpresa ou não, o palito de dentes teve a mesma eficácia da agulha verdadeira. Mas susto maior veio quando os dados sobre "atendimento usual" aos pacientes entraram na conta.

Após oito semanas, 60% dos pacientes sob acupuntura real ou simulada tiveram certa melhora, mas só 39% dos outros voluntários relataram progresso. Estes últimos, porém, não passaram por nenhum "atendimento relacionado ao estudo", só pelo tratamento que o médico de cada um indicava ("em geral remédios, cuidados primários e idas à fisioterapia").

Se, por um lado, a acupuntura real não se saiu melhor do que palitos de dentes, por outro, o teste sugere que autoridades de saúde pública deem um passo atrás para saber o que o "atendimento usual" tem reservado a quem tem lombalgia.

Comentários

Os achados do estudo suscitam inevitavelmente questões sobre a natureza dos benefícios da acupuntura.

Indeciso entre efeitos fisiológicos e placebo para justificar os resultados, diz o próprio autor do estudo que "é bem possível que ambas as explicações contribuam para os benefícios observados" (para a Reuters Health).

Os responsáveis pelo estudo partiram da premissa que “a acupuntura é parte integrante da MTC”, da mesma forma como é definida oficialmente no Brasil. Em vez de se atribuir à fisiologia da estimulação neural periférica o mecanismo de ação, declaram, como a quase totalidade dos estudos clínicos em acupuntura, que “tem sido usada há mais de 2000 anos” (argumento de antiguidade, uma falácia). E explicam que “de acordo com a medicina tradicional chinesa, pontos de acupuntura específicos na pele são conectados com vias internas que conduzem energia ou qi”, e que “estimular esses pontos com uma agulha fina promove o fluxo saudável do qi”.


Assim, o que eles testaram não foram os resultados clínicos da aplicação de estímulos cutâneos em pacientes com dor lombar crônica, mas sim a veracidade do postulado tradicional chinês, da especificidade dos sítios de estimulação.


Ficou mais uma vez comprovada a falsidade desta suposição teórica da MTC, mas não ficou invalidada a eficácia, apesar de aleatória (muita aleatoriedade = pouca ciência) dos estímulos cutâneos para o alivio da dor.


É importante destacar que o controle usado no estudo foi o tratamento habitual de pacientes com dor lombar, que é ruim, como o tratamento da quase totalidade das dores em geral. Isso favorece muito a comparação com qualquer método que atue sobre o componente neural do problema, coisa que não é feita em nenhum dos modelos terapêuticos em uso corrente, seja “ocidental” ou “oriental”, “alopático” ou não.


Não focalizando o sistema nervoso, crucial em qualquer condição dolorosa e/ou disfuncional, os tratamentos farmacológicos e mesmo os fisioterápicos são pouco eficazes. Na verdade, a maior parte dos pacientes melhora apesar do tratamento, ou fica crônico, porque os tratamentos são precários – daí a dor crônica ocorrer em 20% dos indivíduos nas populações dos países mais desenvolvidos.

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